EL PAÍS:
“Artista eu era. Pioneiro eu fiz-me. Devo a Brasília esse sofrido privilégio. Realmente um privilégio: ser pioneiro. Dureza que gera espírito. Um prêmio moral”. A frase de Athos Bulcão resume o desafio de integrar arte e arquitetura como maior colaborador de Oscar Niemeyer na construção de Brasília. Suas obras em azulejo, concreto, madeira policromada e outras técnicas, que hoje ornam muitos corredores do poder, são apenas uma amostra da prolífica produção do pupilo de Portinari, que sonhou em tornar acessível seu trabalho ao público em geral e não apenas aos frequentadores de galerias.
Athos Bulcão. DIVULGAÇÃO FUNDAÇÃO ATHOS BULCÃO
Nascido no Catete, Rio de Janeiro, em 2 de julho de 1918, passou uma infância privilegiada em Teresópolis, criado pelo pai Fortunato Bulcão e irmãos mais velhos. A mãe, Maria Antonieta, faleceu de enfisema pulmonar quando ele tinha apenas cinco anos. Desde menino, mostrava-se criativo, mas a primeira carreira que escolheu não apontava em nada o seu destino futuro. Muito jovem, porém, em 1939, ele abandona a clássica Medicina para se dedicar a pintura.
A arte chegou enfim a ele por uma sequência de acasos. Ou melhor, mais que acasos, um conjunto de amizades estreladas do mundo das artes. O próprio pai era amigo de Monteiro Lobato – curiosamente o maior dos críticos às mudanças no cenário artístico, mudanças que chegariam ao auge do abstracionismo justamente pelas mãos do filho do grande amigo.
Num breve resumo dos laços que o ajudaram a construir sua carreira, é apresentado pelo escritor Murilo Mendes ao casal Vieira da Silva (1908-1992) e Arpad Szenes (1897-1985) e frequenta o ateliê deles na década de 1940. O círculo de amigos ainda inclui importantes modernistas como Carlos Scliar, Pancetti e Enrico Bianco, que o apresentou a Burle Marx, outro nome importante da construção de Brasília.
Em 1945, aos 21 anos, passa a trabalhar como assistente de Candido Portinari (1903-1962) na construção do painel de São Francisco de Assis, na Igreja da Pampulha, em Belo Horizonte. Com o mestre, aprendeu muitas lições importantes sobre desenhos e cores. “Arte é cosa mentale”, dizia ele, citando Leonardo da Vinci, para ilustrar que não acreditava em inspiração e sim talento e trabalho.
Seguindo o exemplo de tantos outros artistas brasileiros da época, Athos Bulcão vai estudar em Paris, entre 1948 e 1950, com bolsa concedida pelo governo francês. De volta ao Rio, trabalha com ilustrações de livros e revistas e com cenários para teatro. Somente anos depois, em 1958, ocorre a grande virada de sua carreira, quando se transfere para Brasília para trabalhar em projetos de Oscar Niemeyer na França, Itália, Argélia, além da construção da nova capital.
Ali sua arte encontra eco na arquitetura de Niemeyer, numa simbiose perfeita. Impossível imaginar os edifícios da cidade sem a geometria e as cores dos painéis de azulejos e vitrais para a Igreja Nossa Senhora de Fátima ou do Palácio do Itamaraty. O artista viveu na cidade que ajudou a criar até sua morte, em 2008, aos 90 anos. Seu legado está espalhado pelos principais edifícios do capital do poder e sua memória é preservada pela fundação que leva seu nome. Em homenagem ao seu centenário, a Fundação Athos Bulcão abre, no dia 7 de julho, uma exposição em homenagem ao centenário do artista, em sua sede em Brasília.